terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Estudo contesta relação entre abusos e obediência cega a autoridades

Um novo estudo psicológico publicado no fim de 2012 contraria a explicação recorrente de que a chamada “banalidade do mal” seria consequência de uma obediência cega a algum tirano. Pelo contrário, os pesquisadores australianos Alex Haslem e Stephen Reicher apontam que pode haver iniciativa própria em quem comete um ato como a tortura, por exemplo.

Um caso típico dessa relação que é citado no artigo é o de Adolf Eichmann, oficial da Alemanha nazista responsável pelo transporte de prisioneiros para campos de concentração e um dos principais articuladores da "solução final", o plano de extermínio de judeus. Os judeus eram perseguidos, presos e maltratados pelo regime nazista, mas a execução sistemática, incluindo a construção das câmaras de gás, só começou a partir de 1942.

A história descreve Eichmann como um burocrata eficaz, que tinha plena consciência do que estava fazendo, e não como um monstro psicopata.

“Está claro que ele não estava seguindo ordens, mas sim respondendo a uma ‘necessidade’ percebida que ele estava motivado em resolver”, afirmou ao G1 Alex Haslem, autor do estudo e professor da Universidade de Queensland.

O exemplo do nazista é citado pelo pesquisador para contestar uma ideia difundida na psicologia de que atos como torturas e assassinatos em massa seriam justificados por uma obediência cega e pela conformidade passiva diante de uma autoridade – seriam os chamados “crimes de obediência”.

No artigo publicado pela revista científica “PLoS One”, Haslem e Reicher argumentam que não se trata apenas de obediência. Na visão deles, a disposição a seguir uma autoridade depende da identificação que a pessoa tem com ela e com a crença de que a causa é correta.

Experimento da prisão

A nova pesquisa é uma releitura de um estudo clássico da psicologia, o Experimento da Prisão de Stanford, conduzido em 1971 pela equipe do professor Philip Zimbardo, da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.

Os participantes dessa experiência foram colocados em uma simulação de presídio e divididos entre guardas e detentos. Os pesquisadores registraram casos de abuso de autoridade e tiveram que interromper o estudo antes do previsto.

A leitura inicial dessa experiência mostra a conformidade com a função e os abusos de autoridade como algo natural ao ser humano, e é esta interpretação que Haslam critica.

“A análise dele [de Zimbardo] sugere que os guardas se tornaram agressivos porque lhes era natural se conformar com as necessidades da função, mas está claro que não havia muito de ‘natural’ nisso – já que ele lhes forneceu instruções claras de como se comportar”, opinou Haslam.

O próprio Haslam liderou uma nova versão do experimento, em parceria com o colega Stephen Reicher, conduzida em 2002. Eles concluíram que a conformidade com o papel não é automática e que as pessoas só agem como parte de um grupo quando realmente se identificam com ele.

“Pessoas decentes participam de atos horríveis não porque se tornam funcionários passivos e inconscientes que não sabem o que fazem, mas sim porque passam a acreditar – tipicamente sob influência de uma autoridade – de que o que estão fazendo é o certo”, completou o professor.

G1